Pular para o conteúdo principal

Lumprada Pradnipas

Publicado em Agosto de 2020, este conto inaugura uma nova etapa da nossa série literária. Explorando conceitos e definições que sedimentam a narrativa construída até aqui, tem conexões com os contos Amanteigados, Um Piá Chamado Rosário, contos do Surreal como Sem Limites, Pega e Eu Dou As Cartas. Esses conceitos também estruturam 23:33:43 e Ações Temporais.



Lumprada Pradnipas
Mafalda e a escada para o céu


Juliano G. Leal


Feliz, 2020




Este conto é dedicado aos meus amigos de brainstorm, que mesmo sem saber, muitas vezes, entre um assunto e outro, tocam em assuntos que posteriormente se transformam em elementos cruciais em alguma composição. Esse conto está cheio dessas contribuições.



Lumprada Pradnipas


Era uma noite como qualquer outra. As gurias tinham acabado de ligar verificando se estava tudo bem. As janelas estavam fechadas e a cama aguardava quentinha e confortável. Mas Mafalda estava sem sono. Estava com uma ideia fixa. E ideias fixas lhe faziam criar teorias. Várias. Das plausíveis às absurdas. E dependendo da complexidade da teoria, ficava inquieta, agitada. Às vezes, irritada.


Diana a tinha presenteado com um notebook recauchutado que conseguia escrever textos, navegar nas redes sociais e fazer pesquisas. Era mais que suficiente. Mafalda não gostava muito de usá-lo. Não por falta de treino ou conhecimento, não mesmo! Ela dominou o uso do equipamento relativamente rápido. O problema era outro.


- Não sei porque deixei elas me enfiar naquele tal de Orkut. As pessoas não gostam da verdade. Não posso postar nada que já ficam me xingando de pessimista. Vou acabar não postando mais nada! Gente chata! Principalmente a gurizada! São uns insuportáveizinhos, e nesse ritmo, em alguns anos, vão ser uma patrulha pseudointelectual querendo decidir o quê as pessoas podem ou não podem pensar, falar ou fazer. Quer saber, dane-se! Vou aproveitar enquanto esse dia não chega pra ser chata e dar uma surra neles. Pelo menos na internet, hehehe.


O riso a aliviou e ela acabou adormecendo. Mas já passava das 2h da madrugada. Extremamente tarde pra quem não costuma passar das 22:30. Mas aquela não era uma noite qualquer. Algo estava rondando.


Uma energia diferente começou a tomar conta do ambiente. O reumatismo da Mafalda começou a incomodar, e mesmo dormindo, ela se remexia na cama. Na sala de estar, uma luz azulada cintilava de leve por trás das portas venezianas da sacada. A energia estranha parecia vir daquela direção, vazando suavemente pelas frestas, num efeito semelhante às miragens que vemos perto do chão num dia de sol forte, provocando distorções visuais ao redor. Linhas com padrões geométricos começaram a se formar nos tapetes e no veludo do banco do piano. E aumentava.


A dor nas juntas foi mais forte que o sono e Mafalda acordou. Levantou-se e saiu murmurando em direção à cozinha para tomar um remédio pra dor.


- Será que vai chover? Era só o que me faltava! E esse zumbido estranho. Só pode ser aquele piá aqui de cima inventando coisa. Deve tá testando alguma engenhoca e eu tenho que aguentar a interferência dele. Ouvido de velho é assim, não ouve o que precisa e o que não devia acaba ouvin…


Estancou no corredor, em frente a porta da cozinha, a dois passos de chegar na sala. Olhou atônita para o cenário inacreditável que se armava - literalmente - diante dela.


Alguns objetos estavam flutuando, as cortinas estavam completamente enroladas em espiral, os vidros da porta da sacada pareciam estar líquidos ao olhar daquela distância e o piano estava vibrando em acordes acidentais de quartas descendentes e nonas.


De repente, uma onda horizontal de cor lilás se espalhou como uma explosão através de toda a sala, acompanhada de um som grave muito forte e um brilho intenso que fizeram a porta da sacada abrir e tudo tremer. Mafalda caiu sentada enquanto via que algo também caiu porta adentro. Mesmo apavorada, conseguiu ouvir alguém falando:


- Não demora!


O brilho cessou quase que instantaneamente após a frase e tudo estava exatamente onde deveria, exceto pelas marcas nos tecidos e a porta aberta. E o que quer que tenha entrado.


Mafalda, a essa altura, já havia deslizado para o corredor, onde pegou de dentro de uma estante-biblioteca, um estilingue e algumas bolas de gude. Andou até um ponto em que ficasse na penumbra do corredor mas também pudesse visualizar boa parte da sala. A mureta que separava a sala da entrada a impedia de ver justamente a parte do recinto onde "a coisa" parecia ter caído. Alguém falou:


- Não vou te machucar, preciso de ajuda!


Um arrepio subiu sem dó pela espinha dela, cuja reação instantânea foi carregar uma olho-de-gato e retesar todo o tirante. Respondeu:


- Eu vou te machucar muito, e pedir ajuda da polícia se tu não te explicar imediatamente!


A voz tinha um dono, e prosseguiu:


- Fiz uma viagem longa, complicada e perigosa pra poder falar com a senhora. Então, por favor, me escute com atenção. Não vou lhe fazer nenhum mal. Estou parado do mesmo jeito que caí aqui, apoiado sobre o pé direito e o joelho esquerdo, com minha mochila nas costas, minha bengala na mão esquerda e minha mão direita no chão.


-Solta a bengala. Atira perto do piano onde eu possa ver.


A bengala deslizou pelo piso encerado, passou o piano e parou na parede. Ela se aproximou devagar da abertura e pôde ver o pé e as costas dele, suficiente para confirmar que estava dizendo a verdade. Mas se surpreendeu. Ele era bem menor do que sua voz grave e aveludada indicava. Pelo menos para os padrões associados a esse timbre na cabeça dela.


- Tu é um anão!? Porque um anão de bengala invadiu meu apartamento de madrugada?


- Me desculpe, eu realmente ia bater antes de entrar e…


- E porque raios alguém entra pela janela DO NONO ANDAR DE UM PRÉDIO?! Como foi que tu escalou até aqui? E se tu é tão gentil como tá tentando inferir, porque não tocou o interfone?


- Eu posso explicar tudo. Permita que eu me apresente e por favor, abaixe sua arma. Eu reitero que não sou violento e não quero fazer nenhum mal, inclusive lhe trouxe um documento que prova que…


Por inocência, nervosismo ou descuido, ele fez menção de pegar algo de dentro da capa que estava vestindo. Sentindo-se ameaçada, Mafalda atirou. Ele girou pela esquerda soltando a capa para apoiar-se no chão e pegou a bolinha de gude que passava sobre ele no ar com a mão direita depois de ela ter passado, caindo de costas no chão aos gritos.


- Por favor, não atire, a senhora mirou no meu olho, isso me mataria ou me deixaria muito mal. Eu sou pacífico, eu não queria vir, eu PRECISEI vir. Me ouça por uma hora e se não entender o que eu preciso fazer, irei embora. Eu juro!


Mafalda acendeu a luz com o cotovelo esquerdo enquanto carregava outra bulita, mas não atirou. Ficou perplexa.


- Tua cor! Que raio de cor é essa? O quê tu é afinal de contas!


- A senhora vive em cima de um elo surreal.


- Ãhn?


- Um ponto onde duas ou mais realidades ou ambientes quanticamente entrelaçados se tocam e eventualmente podem se tornar mutuamente acessíveis no multiverso.


- Uma ponte de Einstein-Rosen? Tá de brincadeira!


- Er, isso é uma simplificação bem rasteira do que eu acabei de falar. Mas tudo bem, se vai lhe ajudar a entender e não atirar em mim, serve.


- Daqui a pouco eu volto no buraco de minhoca, mas primeiro me explica como tu sabe falar minha língua perfeitamente. É algum aparelho? Alguma pílula? Um peixe no ouvido? - Mafalda baixou a arma.


- Na verdade nenhum. Eu falo muitos idiomas fluentemente. Algumas centenas deles pra ser sincero. - Ele sentou no chão com as mãos cruzadas na frente do corpo.


- Acho que agora eu devia perguntar teu nome.


- Me chamo Lumprada Pradnipas, alto-comissário de Hashmanum, um lugar que foi se tornando completamente desconhecido para o seu povo ao longo dos últimos 360.000 anos.


- Isso me força a acreditar que alguém morava aqui há 360.000 anos e conhecia o teu povo. Tá forçando a parceria. E isso não é nome, é um trava-língua!


- Tem duas verdades na sua conclusão. Quem conhecia meu povo não morava originalmente aqui, mas veio pra cá. E não conhecia apenas o meu povo, mas muitos outros. E ensinou o seu povo a desejar maliciosamente as riquezas das outras nações e a buscar a guerra. O Rei do Universo anunciou que os puniria por isso. Que enviaria Seu juízo e haveria choro e ranger de dentes…


- Já ouvi essa história. Deus mandou o dilúvio.


- Dilúvio? Ah sim! Essa é a única informação sobre um julgamento no que vocês chamam de pré-história. Mas não é disso que eu tô falando.


Mafalda sentou-se no chão diante dele.


- Tá falando do quê então?


- Do gelo. Tudo ficou completamente congelado pelo menos umas 3 vezes. Isso cumpriu o ranger de dentes. Houveram várias extinções.


- Fala sério! Tu tá dizendo que tinha gente aqui na Era do Gelo e que foi juizo divino?! Só pode ser uma pegadinha comigo. Cadê a câmera escondida?


- Eu falo sério. A senhora acredita mesmo que eu ia me deslocar de uma galáxia muito, mas muito distante só pra vir aqui enrolar uma mulher desse tempo-espaço? Sinceramente dona Mafalda, seria muito contraproducente. Planejamos essa viagem por 9 anos. Se o marcador não estiver devidamente sincronizado com os elos no exato ponto no tempo-espaço para o deslocamento, não podemos viajar. Podemos morrer na tentativa. Mas o Relojoeiro sabe o que fazer.


Ela ficou encarando-o com os olhos semicerrados e uma cara de desconfiança absoluta. Sua mente não estava acreditando em nada. Mas seus olhos estavam testemunhando algo realmente surpreendente. Respirou fundo.


- Tá bom, Gênio. Tu vai fazer o quê agora? Me abduzir para lutar contra o Gargamel? Tô meio velha pra Smurfette.


- Algum problema com pessoas azuis, Mafalda?


Ela ficou vermelha.


- Não! Foi só uma brincadeira! Eu acho o Gênio fofo! E ver um cara pequeninho e azul no meio da minha sala, à noite, me assustando e me dizendo uma pá de coisas malucas, acho que é normal ficar meio zureta!


- Eu entendi a brincadeira. Tava só querendo trocar de lugar por alguns instantes.


Ela suspirou novamente.


- Tu come a minha comida? Posso oferecer alguma coisa.


- Os biscoitos amanteigados, que são famosos há décadas. Décadas suas, alguns dias pra mim.


- Como raios tu sabe que eu tenho amanteigados?


- Eu falei dos 9 anos de preparo? Do elo exatamente aqui? Nem mais pra baixo, nem pra cima, nem pra esquerda ou pra direita, mas bem ali no parapeito da sua sacada, no cruzamento a -30º de latitude e -51º de longitude, no apartamento 90, no 9º andar do prédio nº 18 da rua. Tudo aqui converge para a conexão.


- Eu não acredito em karma, predestinação ou qualquer coisa que fixe, fatalize ou pré defina o destino!


- Não é isso. É mera matemática. Esse lugar vibra numa frequência tão poderosa que induziu toda essa “coincidência”. E o cheiro dos amanteigados vaza direto pro lado de lá. Só que para cada ano daqui, passam 36 minutos lá. Então tem horas que o cheirinho é uma tortura, pois simplesmente não pára.


- Vou pegar. Quer beber alguma coisa?


- Às vezes passam sons pra lá, foi como associamos o cheiro. Mas não sei o quê é maçã com canela. Não existe isso em Hashmanum. O Relojoeiro sabe. Ele é daqui, e nos procurou por necessidade. Mas se negou a me contar o que era. Disse que eu deveria esperar e experimentar. Tu tem, né?


Mafalda riu.


- Tenho. De dois tipos inclusive. Um que é mero gosto, outro que é natural. Vou fazer o melhor, já que tu nunca experimentou.


Algo brilhou, semelhante a purpurina dourada, oscilando como ondas pela pele dele.


- O que foi isso? - Perguntou Mafalda.


- Alegria, entusiasmo, expectativa, esse tipo de sensação. Nossas reações às emoções são sempre assim. Isso torna praticamente impossível mentir.


- Isso podia ser transformado num gás e espalhado na nossa atmosfera. Pode me acompanhar até a cozinha?


- Não tá mais com medo?


- Não. Tu não parou de brincar com a bulita que tu pegou. Tu é diferente, me deu um baita susto e despejou em cima de mim um monte de informações que a maioria das pessoas acharia maluquice. Mas já vi que tu não é perigoso.


Foram até a cozinha. Ela serviu os biscoitos. Colocou uma porção de chá num pequeno bule de porcelana e colocou água quente direto do filtro térmico.


- Isso aí é bem prático.


- Idosos sozinhos precisam de praticidade. Desde que meu Nico se foi, eu fui investindo em coisas assim. Decidir ficar sozinho exige planejamento.


- Concordo plenamente. Eu também sou viúvo. Ela morreu quando eu tinha 126 anos e ela 120, num acidente de um voo entre Hashmanum e Sahmu. Tive sérias dificuldades de voltar a viajar pelo espaço depois disso. Eu olhava as constelações preferidas dela surgindo no caminho, e desejava que a escuridão ao redor as apagasse. Mas com o tempo, me curei e voltei a saudar a escuridão como uma velha amiga de trajeto.


Servindo o chá, ela pergunta:


- 126? E quanto tu tem agora se não se importa em dizer?


- 171.


Ondas em tons de lilás e violeta cintilaram enquanto ele provava o chá.


- E isso agora?


- Prazer, satisfação, plenitude. Essa combinação é muito agradável!


- Qual a média de vida do povo de vocês?


- Cerca de 300 anos. Entre nós você seria extremamente jovem. E já que você falou em colocar coisas na atmosfera, as que vocês colocam, desgastam e estragam os corpos de vocês muito depressa. É como se vocês respirassem morte de bom grado, trocando constantemente um pouco de vida por um pouco de conforto extra. Posso usar seu forno de micro-ondas?


- Pode...


Ele pegou um objeto semelhante a um dado com um apoio num dos cantos, como se fosse um mini-troféu. Não era maior que a bolinha-de-gude que o alvejara. Colocou no forno, sob o olhar curioso e atento da Mafalda e programou o forno para 30 minutos.


- Isso não é metal, né? Esse forno é potente!


- Isso é um Polímero Ultra-denso Micro-ativado. Na minha língua é sktktk.


O objeto começou a emitir um brilho esverdeado e surgiram imagens e sons na porta do forno, ajustados perfeitamente ao vidro, transformando-o numa tela.


- Eu sabia que TV na cozinha era supérfluo.


- Olha, é ela ali. Minha Prilacnis!


- Que lindinha ela. Sinto muito pela sua perda.


Mafalda viu dessa vez, sobre a pele dele, uma onda dourada rápida que migrou para um rosa pálido e esvaneceu. Ele antecipou a resposta.


- Saudade.


Mafalda apenas deu um sorriso melancólico. Ele prosseguiu.


- Eu era um pesquisador. Viajava toda a hora atrás de matéria-prima para a indústria de tecnologia. Ela era inventora. Criava coisas com o material que eu encontrava. Foi ela que criou esse dispositivo. As pessoas usam basicamente para deixar recados. Uma grava enquanto prepara sua refeição e a próxima assiste quando chega sua vez de usar o forno. Era uma forma divertida de aproveitar o tempo e gastar energia apenas uma vez. Hashmanum vive em constante racionamento de energia. Resultado do Anzillu. E foi por causa dos causadores do Anzillu que o Relojoeiro me trouxe aqui. Precisamos alertar vocês sobre os Apóstatas.


- Pelo visto são um grupo de pessoas que abandonaram alguma fé. Se bem que às vezes isso é uma coisa boa.


- Concordo! Quando a pessoa abandona atitudes destrutivas e coopera com o sucesso e o desenvolvimento do próximo. Só que quando o motivo é exatamente o contrário, ou seja, espalhar morte e destruição por onde passam, é só apostasia mesmo.


- No início tu disse que alguém veio aqui nos ensinar guerra e cobiça, deduzo que seja de quem tu tá falando agora.


- Eles acreditam que existem dois tipos de gente. Os que funcionam e os que não funcionam.


- E deixa eu deduzir, acreditam que a melhor maneira de resolver o “problema” dos que “não funcionam” é eliminá-los?


- Err, mais ou menos. Eles acreditam que podem “aperfeiçoá-los” através de reprodução assistida, mesclando os genes deles nos outros povos.


- Já vi esse filme...


- Na verdade foram eles por trás da figura que tu tá lembrando.


- Hein?


- Sim. Toda a forma de eliminação das variantes dentro de uma espécie sob a premissa de que apenas uma seria especial e mais digna, vem direto deles.


- Tu tem noção de quanto isso soa teoria da conspiração?


- A senhora ficaria surpresa com a quantidade de acertos aleatórios desses teóricos. Eles só não conseguem acertar em cheio porque estão montando um quebra-cabeças com zilhões de peças, sem gabarito, sem a mínima noção da imagem final. Eles vivem de atirar no escuro. E esperam estar certos, mas eles também não têm noção disso, só têm esperança mesmo.


- Tu tá com pressa né? Tá despejando informação. Se tu tem tecnologia para transformar meu forno num projetor multimídia, devia ter trazido alguma coisa gravada pra mim.


- Eu trouxe! Tá naquele dispositivo do forno mesmo. Eu vou deixar instruções caso a senhora queira assistir no microondas. São 9 horas de conteúdo.


- Vocês tem uma cisma com o número 9 né?


- Não é cisma, é ciência. O número nove é um pilar quântico.


- Ok. Eu não manjo muito de nada quântico, mas deduzo que é de física que tu tá falando. Também não me acho muito inteligente e a minha cabeça já anda rateando por causa da idade, mas tô disposta a tentar entender isso tudo, afinal, acho que vocês não me escolheriam se fosse pra chegar aqui e dar tudo errado.


-Exatamente! Bom, começando pelo nove e resumindo aquilo que é mais importante nesse momento. Pensa em todos os ingredientes que são necessários para produzir esse biscoito. Cada um é diferente entre si, cada um tem uma textura, cada um tem uma cor, um cheiro, um sabor e, às vezes, até temperaturas diferentes em repouso. E essas são apenas as características mais óbvias. Além de tudo isso, existem as características de cada um dos elementos químicos que formam cada um dos ingredientes. Carbono, ferro, oxigênio, hidrogênio, cloro, fósforo, cálcio, potássio, sódio. Tá tudo aqui, em diversas camadas de realidade. Ele é doce, macio, seco...


-Achou ele seco? Não gostou?


-O biscoito é excelente, Mafalda. Eu não quis dizer seco ao paladar, mas seco como oposto de úmido ou molhado. A língua de vocês é difícil! Enfim, doce, macio, seco, pequeno, leve, quadrado, cheiroso, chanfrado e assado. A realidade é como esse biscoito do exemplo, com diversas camadas que não são exatamente óbvias ou organizadas em ordem como prateleiras ou fileiras numa tabela, ou sobrepostas como uma cebola, como a mente de vocês foi adestrada a pensar. Elas estão juntas aqui, quase todas misturadas. Algumas podem ser percebidas por um sentido só, outras por mais de um. O fato de não percebermos tudo imediatamente ou de nunca percebermos tudo, não altera o fato de estar tudo ali.


-Entendi. Meu biscoito é quântico. E o nove?


Antes de responder, Lumprada deu uma gargalhada e ondas amarelo-alaranjadas misturadas com a purpurina dourada vibraram com tanta intensidade que ele ficou esverdeado!


- Sim Mafalda, seu biscoito é de certa forma quântico, e se eu puder levar alguns comigo, também será transdimensional. Aliás, preciso mesmo levar algo daqui pra lá pra que aconteça uma troca equivalente. Só assim poderei deixar o sktktk contigo.


- Eu não consigo pronunciar isso aí. Parece o barulho que o despertador faz quando dou corda. Escreve com o meu alfabeto aqui nesse papel, porque o teu não me adianta.


“SKTKTK”


Mafalda deteve o olhar por alguns instantes nas letras e falou:


-Soquete-catraca! Fica mais fácil pra mim assim. Vai ser soquete-catraca daqui pra frente.


Lumprada riu novamente e prosseguiu.


-Então, a realidade existe em diversas dimensões simultaneamente. Você vive no açúcar, eu na farinha, o Anzillu aconteceu, digamos, entre a farinha e a manteiga, mas está se aproximando daqui e toda a população do açúcar corre perigo.


-O Multiverso num biscoito amanteigado seria um bom título de livro, não acha?


- O Relojoeiro é um verdadeiro fã dessas suas respostas e do seu raciocínio espirituoso.


- Parando pra pensar, é meio aterrador saber que vocês estavam me vigiando de outra dimensão esse tempo todo. Gostaria de uma explicação melhor pra isso antes de prosseguirmos.


- Não estávamos exatamente te vigiando. Estávamos monitorando a atividade nas fendas dimensionais e pesquisando em qual delas havia alguém com quem pudéssemos interagir para dar os avisos que precisamos transmitir. Todas as imagens que o nosso equipamento conseguiu captar, se limitam propositalmente aos 9 m² ao redor da fenda, ou seja, a sua sacada mais o tamanho exato dela pra fora do parapeito, por uma questão ética. Já os sons são outra história, captamos até 99 m². E antes que você pergunte, todos os nossos equipamentos trabalhavam com valores normais em escala decimal, hexadecimal ou binária, como parecia ser a lógica no universo, até que uma análise dos relatórios das sucessivas falhas no projeto jkbldr nos fez perceber que precisávamos ajustar os instrumentos para varredura em múltiplos de 9 e começamos a ter sucesso. E ainda estamos tentando descobrir o que acontece com os cheiros, pois como te disse antes, os cheiros “vazam”. Creio que alguns elementos orgânicos tenham uma composição molecular específica que harmoniza ou até simbioniza com a fenda e passa de uma dimensão a outra sem dificuldade. Isso inclusive ajudaria a desenvolvermos uma tecnologia de viagem transdimensional mais eficiente, o que o Relojoeiro já confirmou que conseguiremos.


-Peraí! Quem é esse Relojoeiro de quem tu tanto fala? E como é que ele pode confirmar que vocês vão conseguir? Ele é um tipo de profeta?


-Não exatamente, mas ele trabalha para que as coisas não descambem.


-Não entendi.


-É complicado mesmo. Quando eu o conheci também demorei pra conseguir entender o que ele tava fazendo, mas depois de fazer a primeira viagem com ele, tudo ficou mais claro. Ele chegou lá em casa um pouco depois da morte da Prilacnis, do mesmo jeito que eu cheguei aqui. Só que ao contrário de ti, eu não o recebi com um estilingue. O sistema de segurança da minha casa trancou ele numa cela especial e ficou aguardando o meu comando de execução por invasão de propriedade privada.


-Como assim execução?! - Perguntou Mafalda arregalando os olhos.


-Em Hashmanum as leis são claras a respeito de tudo. Todos sabem muito bem que não podem invadir uma propriedade. Também sabem que a punição pelos crimes é sujeita à jurisdição onde ele foi cometido, ou seja, eu sou promotor, juiz e executor dentro da minha casa. Eu nunca executaria nenhum invasor. Prefiro expulsá-lo depois de fazer o registro da ocorrência na Base Comum de Dados e deixar que ele sofra as consequências de ter uma infração Nível A nas costas. Era o que eu ia fazer com o Relojoeiro, mas ele não estava cadastrado na base. Logo, ele só poderia ser de um lugar muito atrasado fora da nossa vizinhança, de outra dimensão ou de outro tempo.


Mafalda ficou em silêncio. Era muita informação. Mesmo.


-Ok. Três perguntas. Se eu não entender essas, não adianta ir adiante porque não vou conseguir contextualizar. Primeira: Ainda sobre o invasor, não era melhor chamar a polícia?


-Não existe polícia. A população faz sua própria segurança com tecnologia de ponta há mais de 700 anos. E também não existe governo.


-Meu Nico ia adorar visitar esse lugar...


-Talvez um dia você possa ir lá, mas não depende de mim.


-Não sei se aguento uma coisa dessa. Segunda: Tu realmente pensou que ele era de outra dimensão há 45 anos atrás?


-Parece muito pra você, mas pra nós não é nada. E sempre tivemos esse conceito. Explorá-lo é que se tornou necessário somente após o Anzillu. Nosso povo sempre teve a postura de não incomodar os outros povos e apenas se defender de ameaças. Se não é da nossa conta, não nos interessa. Mas quando os Apóstatas nos atacaram, percebemos que seria errado guardar a informação sobre eles conosco e deixar outros povos vulneráveis. Então, se iniciou o projeto jkbldr de sondagem das fendas para alertarmos aos possíveis alvos deles.


-Terceira. Viagem no tempo?


-Teoricamente, se viajarmos no espaço acima da velocidade da luz, conseguiremos “viajar no tempo”. Então, sim, daria pra viajar no espaço de forma que se acesse tempos diferentes. O Relojoeiro tem uma tecnologia avançada e vinha realmente de outro “tempo”. Só que ele atravessa o espaço usando as fendas dimensionais, e não a velocidade da luz. É uma tecnologia que nenhum dos três planetas habitados de nosso sistema ou das centenas de planetas habitados que monitoramos através das fendas, possui.


-E nessa infinidade de gente, lugares e... momentos, surge a pergunta que não quer calar. Porque eu?


-Porque você preencheu os pré-requisitos para contato, quais sejam, estar próxima da fenda, ser uma pessoa pacífica e pacifista, ter ficha limpa, ter uma atitude ética e acreditar na possibilidade de contato com uma inteligência de fora da Terra.


-Sempre acreditei. Inclusive achava que os nazistas tinham ajuda porque fizeram muitas coisas poderosas com uma tecnologia desproporcional pra época e agora tu me confirmou que foram os Apóstatas. Mas se eles já estiveram aqui e quase nos destruíram, o que realmente os deteve? E porque voltar agora? O que eles querem aqui?


-Os Apóstatas de hoje são um grupo diferente desse. Nessas duas guerras que vocês enfrentaram, eles eram apenas uma missão de sondagem para ver se valia a pena investir aqui. Era um teste. Eles queriam entender porque esse mundo absurdamente distante de tudo era tão importante pra Hoste, e consequentemente, para o Rei.


-Tu não disse que teu mundo não tinha governo? Como que tem um Rei agora?


-O Rei do Universo. Creio que também o chamam assim aqui. Ele é dono de Hashmanum, mas não governa Hashmanum. Ele nos deu liberdade para escolhermos se viveríamos de acordo com a Lei que Ele nos ofereceu. Nós entendemos, aceitamos e deu certo. Durante milhares de anos vivemos apenas com juízes. Vocês também tiveram uma época assim. Então veio o Anzillu, e como eu disse antes, tivemos que remodelar nossa vida para sobreviver aos novos desafios.


-Então Deus é o Rei de vocês, porque aqui só Deus é chamado de Rei do Universo.


-Sim, o Criador.


-Não acredito que vou fazer essa pergunta, mas porque Ele não resolveu o problema com os Apóstatas? Porque não ajudou vocês no Anzillu?


-Mas Ele ajudou. Nós vencemos. E conseguimos isso sem transgredir a Lei, mas obedecendo de forma fiel. Não precisamos de nenhuma intervenção direta Dele, algo que vocês chamariam de milagroso, místico ou sobrenatural. Aliás, de acordo com o que eu entendi sobre esses conceitos de vocês, eu seria sobrenatural, já que venho de uma outra dimensão, não sou igual a vocês, tenho tecnologia que vocês podem considerar divina ou confundir com “superpoderes” e na minha realidade, interajo de forma visível e direta com a Hoste e os Apóstatas. Só pra constar, esses conceitos não existem lá.


-Quer mais chá? Mais amanteigados?


-Sim, por favor.


-Se Deus é o Rei, e tu fala Dele de um jeito tão pessoal, Ele tá perto de vocês? E o que é a Hoste?


-O Rei está onde Ele quiser estar. Ele tem esse poder. Se quisermos interagir com Ele, nós simplesmente falamos, Ele ouve e normalmente responde. Vocês também fazem isso. Pena que a maioria não ouve a resposta e muitos ouvem a Horda pensando que é o Rei que respondeu. A Hoste são aqueles que vocês chamam de anjos. E a Horda, os que vocês chamam de demônios.


-Bom, acho que estou oficialmente pasma. Se não tivesse um cara azul tomando chá comigo, eu não acreditaria em nada. E agora nem posso compartilhar isso com as pessoas, pois não vão acreditar em mim. Tenho mais perguntas: o que eu devo fazer com toda essa informação? O que vocês querem de mim? E porque tu e o Relojoeiro vieram me avisar ao invés de Deus falar diretamente comigo, mandar um anjo ou um profeta?


-Bem, chegamos ao ponto mais importante da conversa. Você vai receber respostas detalhadas exatamente sobre essas questões quando assistir o conteúdo do sktktk. O que posso te adiantar é que os anjos que trabalham aqui estão muito ocupados em missões de vida ou morte e não estão autorizados a interagir mais com os humanos como era antigamente. E os profetas de verdade, morrem de medo de perseguição e a maioria, sofre de depressão. Ou seja, além de serem raros, também estão precisando de ajuda. E Deus, acho que ele não fala pessoalmente com mais ninguém desde 1998. Voltando ao dispositivo, quando a transmissão dele chegar ao final, uma mensagem surgirá perguntando se você quer ou não ativar o modo de segurança. Essa é uma inovação que eu criei e que o Relojoeiro disse ser fundamental nessa missão. Se você responder “sim”, o dispositivo reproduzirá um vídeo que registrará um número no seu inconsciente, através de hipnose. Após o sim, você vai lembrar de todo o conteúdo que assistiu até que durma. Ao acordar, você não lembrará do conteúdo, nem onde guardou o sktktk ou não saberá o que ele é ou o que fazer com ele, até que o número seja dito por alguém da Hoste ou algum humano enviado pela Hoste ou por nós. Então, pense bem antes de dizer sim para o modo de segurança e caso faça, que seja com tempo de guardar o sktktk em segurança.


-Isso é bem assustador. Porque eu ia querer ter meus miolos temporariamente interditados?


-Porque se a Horda aparecer fazendo perguntas, você vai poder dizer tranquilamente que não sabe de nada e não terá que fazer um esforço absurdo para mentir ou tentar dissimular para escapar deles. Lembra que eu disse que pra nós é praticamente impossível mentir por causa dos efeitos luminescentes na nossa pele? Nossa solução para isso foi programação hipnótica de alto nível. E no fim das contas, não é mentira. Pois no momento em que você não lembra, você não sabe mais, pelo menos não sabe nada naquele momento. Mas você ainda pode dizer não e lembrar de tudo pra sempre. A decisão é sua.


-Então só me resta assistir ao soquete-catraca.


-E decidir o que fazer depois.


-Bom, que seja!


Lumprada puxou um scanner do bolso. Uma luz lilás passou sobre os amanteigados e o aparelho fez dois bipes graves e uma voz eletrônica disse meia dúzia de palavras trissílabas. Mafalda perguntou:


-O que foi agora?


-O aplicativo que calcula a troca equivalente sinalizou que a troca não está justa.


Na tela do scanner, a animação de uma balança pendia pro lado do dispositivo, como se os amanteigados estivessem bem leves. Na equiparação de troca uma mensagem dizia:


Terceiro pré-requisito não atendido. Candidato a troca não armazena ou transmite informações. Use algo realmente, equivalente ou complemente o requisito faltante.


-Mafalda preciso compensar as 9 horas do sktktk com dados. Me dá um CD velho, que tu não queira mais.


Ela trouxe um CD motivacional que veio junto com um shake emagrecedor. Novos bipes, nova mensagem.


-Ele diz que os dados não se relacionam ao conteúdo. Preciso de algo que seja relacionado aos amanteigados.


-Tipo o quê?


-Sei lá, a receita talvez?


Mafalda arregalou os olhos, mas dessa vez de indignação.


-Nem pensar! Não sou doida de mandar minha receita pra outra dimensão. E se por acaso eu escolher esquecer do soquete-catraca a minha receita de amanteigados sumir junto?


-Não vai sumir. Eu vou scannear e registrar. É uma cópia. A sua fica intacta.


- Ah bom! Aí a coisa muda. Que seja então.


Ela abriu uma gaveta no balcão de cozinha cheia de receitas, puxou um caderno de debaixo da pilha, abriu e mostrou a receita. Lumprada escaneou. Mudaram os bipes e frases.


-Agora deu certo. Muito obrigado Mafalda, o soquete-catraca é seu. Minha carona deve estar chegando a qualquer momento.


-Quando nos veremos de novo?


-Isso depende mais de você do que de mim agora. Depende do que você vai escolher fazer com as informações.


O piano começou a vibrar novamente. Os pequenos objetos flutuaram e a cortina começou a enrolar novamente. Um brilho começou a surgir do outro lado do parapeito. De repente, algo começou a tomar forma, como se fosse uma pessoa de gelatina. Em alguns segundos ele estava lá, parado no ar, sobre algo que parecia uma vagoneta, mas ao invés de ter uma alavanca-gangorra no meio, tinha um painel semelhante a uma pirâmide de degraus de cabeça pra baixo. E o Relojoeiro a operava com os dedos deslizando sobre hologramas. Ao seu redor, diversos outros hologramas se projetavam, a maioria relógios e símbolos afins.


-Mafalda, foi um enorme prazer e um privilégio conhecê-la.


-O prazer foi meu, apesar do susto. Posso te chamar de Lu, para evitar o trava-língua?


-Claro, sem problema.


-Adeus!


-Adeus, Mafalda! Se cuida!


O Relojoeiro falou:


-Lembre-se Mafalda, quando você vir o número, ele é um bom rapaz. Só precisa ser acolhido na família novamente.


-Quem?


Num flash, eles desapareceram. Tudo que restou foram as marcas no tapete, as cortinas enroladas ladeando as venezianas e aquela vibração no ar semelhante às que acontecem no asfalto num dia quente, que davam naquela penumbra à luz da Lua, a sensação de uma escada para o céu.


__________________________________________________________




© Elos Surreais
Todos os direitos reservados.



Postagens mais visitadas deste blog

Poapykua - Relíquias Malditas

Publicado em Fevereiro de 2014, este conto explica a origem do oratório de Olavo, objeto sinistro que aparece no conto "Querido Diário", no Surreal . Juliano G. Leal Poapykua Relíquias Malditas Feliz, 2014 Este conto é dedicado a todos aqueles que ficaram curiosos com o destino de certos objetos mencionados no conto “Querido Diário” no livro Surreal. E também aos que ficaram curiosos quanto às origens destes intrigantes objetos, que estavam prestes a serem destruídos... Poapykua – Ai meu Deus! Vô corre aqui! Mirella estava pálida com os olhos arregalados, fitos em uma fotografia estampada na página policial do Correio do Povo. Seu Donato se aproximou para ver o que tinha assustado tanto a neta e leu o seguinte: Morte misteriosa intriga os moradores da Cidade Baixa A reportagem falava sobre a morte bizarra e ainda não explicada de um jovem de 16 anos. A família não entrou em detalhes sobre o ocorrido. A polícia declarou que “com base no que vimos na cena do crime, foi apenas u

Gloria In Excelsis Deo

Publicado em 24 de Dezembro de 2013, este conto narra uma batalha épica, na qual a Morte e seus Ceifadores recebem ajuda de uma Legião de Anjos Músicos para reverter uma catástrofe, num dos dias mais importantes da História. Gloria In Excelsis Deo Ceifadores no Campo Um Conto de Natal Juliano G. Leal Feliz, 2013 Dedico essa obra a todos aqueles que amam a história do Natal, por amarem Jesus o Messias e o considerarem o maior presente do Eterno para a humanidade. Há uma batalha acontecendo desde tempos imemoriais pela sua vida. O inimigo conhecido como diabo, quer te afastar do teu Criador. Receba Jesus na sua vida, deixe que ele nasça no seu coração e te dê salvação e vida eterna! “Porque Deus amou tanto o mundo que deu seu filho unigênito, para que todo o que crê Nele não pereça, mas tenha a vida eterna.” João 3:16 Gloria In Excelsis Deo – Tu viu a fúria dele? Nunca vi ele desse jeito. Confesso que tô assustado. – E era pra menos? Olha a bagunça que o outro tá fazendo só por causa de

Amanteigados

Publicado em Novembro de 2014, este conto é uma prequela do Surreal, se conectando aos contos "Eu dou as Cartas" e "-Pega!". Apesar da conexão com dois dos contos mais macabros do livro, não é um conto de terror! Ele narra a origem das personagens Mafalda & Vanédia, que em breve também estrearão sua própria série. Amanteigados Um conto sobre amizade Juliano G. Leal Feliz, 2014 Para todos aqueles que já ouviram falar de uma vovó sapeca e de sua simpática cuidadora. Amanteigados As pessoas se aglomeravam na porta do condomínio. Ouvia-se o burburinho e nele se sobressaíam aqui e ali expressões de espanto e preocupação. – Não mexe nela! Pode piorar a situação, tu não sabe se tem alguma fratura! – Sei o que eu tô fazendo, já fiz isso mais duas vezes só esse mês! Ela é teimosa, não pede ajuda e não aceita ajuda! Depois se estabaca! – Ah, te para quieto e me junta, Éder. Pronto, pedi! Num esforço conjunto eles conseguiram colocá-la em pé. – Ai! Descadeirei de vez! Os q

Um Piá Chamado Rosário

Publicado em Agosto de 2014, este conto se conecta aos contos Poapykua, Querido Diário, Pega! e ao livro 23:33:43, e narra o surgimento de um dos principais vilões desse universo ficcional. Um Piá Chamado Rosário Uma História Angustiante Juliano G. Leal Feliz, 2014 Dedicatória Tu, que espera cada conto com uma ansiedade saudável e curte cada publicação com interesse genuíno; é pra ti que dedico esse conto! Revisão: Daniele Leal D’Amico Um Piá Chamado Rosário O dia tinha amanhecido nublado e não parecia haver perspectiva de sol por um bom tempo. Cenário apropriado para nos deixar meio deprimidos; com a sensação de que tudo lá fora está carrancudo. Aquele inverno parecia estar sendo mais chuvoso que os outros. A lama e a ausência de folhas nas árvores colaboravam com a vontade de não por o pé pra fora. E, justo nessas condições, chegou a hora de Liurevana dar à luz ao seu bebê. O segundo. Ela não queria a criança. Abortar não era uma opção. Ela tinha muito medo do inferno e ouviu o padre

Karyel - Memórias do Exílio

Publicado em Junho de 2017, este conto narra uma conversa entre um Ceifador e um Caído, permeado de memórias dolorosas dos tempos de guerra.  Disponível em ebook através de nossas redes sociais . Compre o seu!