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Um Piá Chamado Rosário

Publicado em Agosto de 2014, este conto se conecta aos contos Poapykua, Querido Diário, Pega! e ao livro 23:33:43, e narra o surgimento de um dos principais vilões desse universo ficcional.




Um Piá Chamado Rosário
Uma História Angustiante



Juliano G. Leal



Feliz, 2014





Dedicatória


Tu, que espera cada conto com uma ansiedade saudável e curte cada publicação com interesse genuíno; é pra ti que dedico esse conto!



Um Piá Chamado Rosário




O dia tinha amanhecido nublado e não parecia haver perspectiva de sol por um bom tempo. Cenário apropriado para nos deixar meio deprimidos; com a sensação de que tudo lá fora está carrancudo. Aquele inverno parecia estar sendo mais chuvoso que os outros. A lama e a ausência de folhas nas árvores colaboravam com a vontade de não por o pé pra fora.


E, justo nessas condições, chegou a hora de Liurevana dar à luz ao seu bebê. O segundo. Ela não queria a criança. Abortar não era uma opção. Ela tinha muito medo do inferno e ouviu o padre falar inúmeras vezes que aborto era um pecado terrível.


Mas seria praticamente suicídio ter que criar duas crianças nas condições que ela vivia. Ou morria, se formos bem realistas. O filho mais velho, 10 anos, estava subnutrido. Na verdade já era quase um zumbizinho, pobre criança. Ela, mais magra que piolho em peruca, mal se mexia pela casa. O filho na barriga lhe consumia toda a energia que conseguia obter com um arroz quirera mirrado e empaçocado. Não possuía panelas. Nem fogão. Sua cozinha se resumia a umas latas sobre um braseiro num canto da casa feita de palha e rebocada com esterco. Era longe de tudo. O sinal de civilização mais próximo era a igrejinha da vila. E ficava distante uns 4 quilômetros.


– Guri, vai chamá a véia Zuza que teu irmão tá nascendo.


O piá saiu correndo porta afora e se cascou a bater com as duas mãos na casinha da parteira.


– Véia Zuza, véia Zuza, o nenê tá vindo, vem ajudá a mãe! Ligeiro!


– Ô guri, para c’o fiasco! A véia num tá. Foi acudi uma grã-fina que veio buscá ela de manhã e num vortô aína.


– Então vem a senhora mesmo. A mãe precisa de ajuda!


– Num posso! Num guento sangue. Vô acendê uma vela pra nos’Sinhora do bom parto e rezá pela tua mãe.


E bateu a porta na cara dele. Chorando de frustração por ter que voltar pra casa sem ajuda, ele entra como um tufão na palhoça. Sujo de barro até o pescoço, com a cara toda ranhenta, ele desaba de joelhos.


– Desculpa mãe, a véia não tá em casa. Eu juro que falei direito como a senhora pediu. Pedi pra Nêga vim, mas ela tem medo de sangue.


– Shh, calma pitoco. A véia é muito conhecida, as pessoa querem ela. Vamo tê que se virá por nós. Vai ali, pega uns pano limpo daquela caixa nos pé da cama.


Ele pegou. Aquela pobre mãe jamais imaginou que seu pequeno primogênito se tornaria seu parteiro. Instruiu o guri passo a passo. Ele firmou com todo o carinho a cabeça do irmão, protegendo-a para que não batesse no chão. Puxou com toda a força quando a mãe mandou, caindo pra trás com o esforço, ficando com seu maninho sobre seu peito. A mãe pegou o recém-nascido e cortou o cordão.


– O nome dele vai ser Rosário.


Limpou, e tentou amamentar. Esgueirou-se até a cama e deitou. Os meninos aninhados em seu colo. Faminta, fraca e debilitada pelo esforço do parto, sucumbiu ao sono. Os pequenos também.


Algumas horas depois, Corolário acordou sentindo algo morno e pegajoso em suas costas. Era sangue. Ele entrou em pânico e começou a gritar sacudindo a mãe e dando pequenas palmadinhas em seu ombro. Não houve reação. Ela estava imóvel. Rosário começou a chorar.


– Vana! Cheguei misifia! Tô ouvindo os choro. Teve uma boa hora?


Era a véia Zuza, vindo checar como estavam as coisas. Abriu a porta do barraco e quase desmaiou.


– Valha-me a Virge! Vana! Que foi que te deu mulher! Alivanta!


A visão da mãe ensanguentada e dos filhos sozinhos naquela penumbra vespertina somada a um cheiro muito característico que começava a tomar conta do ambiente, despertaram em Zuza o pior dos presságios. A velha enterrou os dois dedos rechonchudos na lateral da garganta dela. Se benzeu três vezes, virou para Corolário e disse.


– Guri, tu vai tê que sê forte. Deus resolveu te testá. Consegue segurá teu mano?


Sem entender a profundidade da frase de Zuza, crendo que a força era pra segurar o irmão, ele respondeu.


– Fui eu que puxei ele de dentro da mãe. Sou forte!


Zuza sorriu com os olhos marejados e pôs Rosário nos braços dele.


– Abraça o mano bem quentinho e vai lá pra minha casa. Eu vou cuidá da mãe e depois vô lá.


Ele saiu caminhando rápido, com a trouxinha de pano agarrada ao peito como se fosse seu bem mais precioso. Não era?


Uma semana depois os médicos da cidade tinham o resultado da necropsia. A placenta não saiu. Estava grudada nos outros órgãos e músculos. E a hemorragia que Liurevana teve durante o sono foi fatal. Ela não sobreviveria naquelas condições de jeito algum.


Ninguém conseguiu contatar parentes. Os meninos foram encaminhados para um orfanato. Quando tinha 13 anos, Corolário foi adotado por uma família muito rica e reservada, e foi morar na Serra Gaúcha.


Rosário viveu no orfanato até os 9 anos. Era uma criança tranquila. Nunca deu problema aos professores e cuidadores. Fazia amigos com relativa facilidade, era alegre, colaborava nas tarefas e falava com frequência que sua casa era o orfanato e que não queria ser adotado.


Numa tarde de verão como outra qualquer, Rosário recebeu uma visita. Um homem jovem e bem arrumado o convidou para conhecer uma comunidade alternativa. Um lugar onde as pessoas compartilhavam seus bens, cultivavam seus próprios alimentos e viviam de forma natural e livre. Ele não fazia a mínima ideia do que era aquilo, muito menos tinha entendido a necessidade de algo assim. Mas por algum motivo oculto, ele aceitou ir conhecer o lugar. E por lá ficou.


Apesar de ter se entrosado rapidamente à rotina do local, algo estranho tinha começado a acontecer com ele. Dia após dia, se sentia mais irado e, algumas vezes, chegou a ter acessos de raiva. Mas era socorrido quase sempre pelo líder do local. O líder era um guru que pregava uma doutrina muito rígida de controle dos impulsos físicos e emocionais. Fazia seus seguidores praticarem longos períodos de jejum e as roupas eram completamente desprovidas de qualquer enfeite ou cor. Frases como “abnegação e modéstia”, “altruísmo e decoro” ou “silêncio e trabalho” eram vistas espalhadas pelo lugar, esculpidas em grandes tábuas de madeira suspensas entre as árvores.


Todo esse esforço durava exatamente um ano. Pois, durante um dia inteiro, com suas 24 horas cronometradas no primeiro dia do verão, todas as proibições eram suspensas e as pessoas se entregavam à permissividade e praticavam tudo aquilo que foram limitadas ou proibidas de fazer no resto do ano. As únicas regras que permaneciam eram: não fazer nada sem o consentimento do outro e não fazer nenhuma ameaça à vida, saúde ou integridade física de quem quer que fosse.


Esse dia, chamado de Ahno-Grev, irritava muito o senso de obediência de Rosário. Na opinião dele, se as regras existiam, elas deveriam ser seguidas à risca e sempre. Exceções eram um atestado de fraqueza.


No terceiro ano de sua estadia naquele grupo, a fúria de Rosário com “o dia ridículo” (como ele gostava de chamar) estava chegando ao topo.


Ele percebeu que as únicas regras que não poderiam ser quebradas eram as que davam segurança para que as pessoas quebrassem todas as outras. Pensando consigo mesmo, decidiu:


– Neste ano eu vou quebrar essas duas regras. Ou se obedece todas, ou nenhuma. Não há espaço para exceções.


Talvez parecesse uma atitude radical e prematura demais para uma criança de doze anos. Não para ele. De fato ele não sabia muitas coisas além das aprendidas na escola. Sua experiência de vida se resumia ao contexto do confinamento. E talvez fosse justamente isso que o fizesse ter uma gana tão avassaladora ao seguir regras.


Faltando uma semana para o dia ridículo, Rosário teve um sonho. Uma linda mulher apareceu diante dele. Seu vestido estava sujo de sangue. Suas mãos pareciam trêmulas e fracas. Ela lhe disse:


– Filho, eles me feriram, me magoaram e destruíram. Acabe com eles!


Quando acordou, levou um tremendo susto. Havia algo gelado na cama, sob suas cobertas. Ele moveu-se cuidadosamente e agarrou o objeto. Uma metralhadora. Deu um grito de espanto, as luzes acenderam e ele acordou de novo. Dessa vez, de fato. Tinha feito xixi na cama. Muito envergonhado, foi tomar um banho, fazendo de tudo para não acordar mais ninguém. Depois, trocou seus lençóis e colchão, e voltou a dormir.


O dia estava chegando. Na véspera, enquanto todos se preparavam e iam inclusive dormir mais cedo pra aproveitar o “feriado”, ele foi até o depósito e saiu com um galão de gasolina. Passeou tranquilamente deixando aquele líquido se espalhar por todas as construções da comunidade. Vendo que ninguém aparecia e que seus movimentos foram discretos o suficiente para não chamarem a atenção, foi até seu dormitório, arrumou a mochila e voltou ao depósito.


Abriu e emborcou num carrinho de mão todos os galões e latas de inflamáveis que conseguiria carregar, e aproveitando um furinho providencial do carrinho, circulou novamente por toda a propriedade. Antes que o cheiro entrasse pelas janelas e denunciasse seu empreendimento, riscou um fósforo, pegou sua bicicleta e saiu. Enquanto se afastava, um clarão alaranjado piscava atrás das árvores e ele pode ouvir alguns gritos de desespero. Mas não sentiu uma gota de arrependimento.


Ao se distanciar alguns quilômetros do local, parou em uma quitanda de beira de estrada que estava aberta.


– Tá vindo donde guri?


– Da vila dos malucos. – Ele sabia que era assim que o lugar era conhecido nos arredores.


– Tá de brincadeira!


– Não. Tô com fome.


– Gosta de quê? Pega aí.


Ele pegou uma manga e segurou diante do peito olhando para o quitandeiro com as sobrancelhas erguidas. O rapaz lhe estendeu uma faca e apontou o lado oposto da barraquinha, onde Rosário pode ver uma torneira.


Enquanto o menino devorava a fruta, seu benfeitor refletia, o dedo deslizando para cima e para baixo sobre um interruptor. Era uma campainha que avisava à casa mais próxima que ele estava em perigo ou que havia uma emergência, para que, assim, os vizinhos trouxessem ajuda.


Decidiu não apertar. Esperou. Rosário estava lambendo os dedos e voltando à torneira quando um Fleetmaster preto encostou. Um homem alto, vestindo fraque e com cara de poucos amigos desceu do carro. Abriu a porta traseira do carro, mas ninguém saiu. Lá de dentro, alguém falou:


– Rosário, eu vim te buscar. Fizeste um excelente trabalho.


– Quem tá aí? Quem é tu e como sabe o meu nome?


O dedo do quitandeiro correu para a campainha, mas o motorista simplesmente ergueu a mão com longos dedos magros espalmados, fazendo a luva branca subir no escuro como uma imensa e ameaçadora placa de proibido.


– Não precisa ter medo, Rosário. Conheço você melhor do que você mesmo. E você também me conhece, apenas não lembra.


Rosário se aproximou do carro e o homem se moveu permitindo que a luz mostrasse seu rosto.


– Tens ainda o medalhão que eu te dei?


– Tenho.


– Hum, muito bom. Foi o medalhão que te deu coragem, criatividade e me mostrou onde te achar.


Ele franziu a testa, olhou para o motorista, para o quitandeiro, para o chão, para o céu...


– Venha comigo. Eu tenho as ferramentas para que tu desenvolvas teu potencial. Tu terás acesso a coisas que jamais imaginaste, só tem uma condição.


Rosário olhou por entre as sobrancelhas sem erguer a cabeça.


– Vais ter que cumprir rigorosamente as regras.


Ele sorriu e deu um passo em direção ao carro, mas o motorista o segurou pelo ombro e estendeu uma nota de vinte cruzeiros.


– Paga o moço. – Disse o motorista.


– Não precisa. Ele me deu a manga.


– Então pegue mais algumas frutas que possamos comer sem fazer muita sujeira. A viagem é longa. – Retrucou a voz que vinha do carro.


Ele foi. Pegou três maçãs e meio cacho de bananas. Ergueu as frutas e perguntou.


– Pode ser?


O motorista apertou levemente os olhos numa expressão que poderia ser interpretada como uma tentativa de sorriso. Ele pagou o quitandeiro e entrou no carro.


Manobraram para voltar na mesma direção que tinham vindo. Enquanto o quitandeiro observava a luz dos faróis minguarem e sumirem à distância, vários faróis e sinalizadores coloridos se aproximavam.


O rapaz ficou intrigado ao ver passarem dois carros dos bombeiros e uma viatura da polícia em alta velocidade na pequena estrada. Ele descobriria o motivo daquilo no dia seguinte, quando a vizinhança toda comentaria o incêndio sem sobreviventes na vila dos malucos. Ele se lembraria do menino. E se culparia por não anotar a placa do carro que o levou.


– Me fala mais sobre o medalhão.


– Antes acho que tu devias saber que sempre te cuidamos, mesmo de longe. Não te buscamos antes, pois acreditávamos que deverias passar pelas situações que enfrentaste para que descobrisses tua verdadeira vocação.


– “Nós” seria quem?


– Somos pessoas que trabalham para que o mundo se torne um lugar mais limpo. Que eliminam pessoas com ideias retrógradas e obtusas que prejudicam a evolução da raça humana. Há muitos anos, um nobre peregrino recebeu a missão de canalizar forças anteriormente desconhecidas para atingirmos esse fim.


– Que forças?


– Há milênios, a raça humana abusou de seu livre arbítrio para quebrar regras espirituais eternas. Um casal de anjos se uniu e veio à Terra punir os humanos por essa desobediência. Numa reviravolta sem precedentes, o Criador protegeu os humanos e puniu os anjos que quiseram fazer justiça.


– Mas o Criador deu a ordem para que eles viessem?


O homem semicerrou os olhos e respondeu controlando ao máximo seu tom de voz.


– Diga-me, Rosário, alguém precisa repetir para ti todos os dias a ordem de lavar as mãos para ir à mesa ou tu sabes que isso é o correto a se fazer e simplesmente o fazes?


– Eu só faço.


– Então compreendes os anjos. Eles não necessitavam de ordem expressa para uma regra que já era conhecida e praticada. Mas, não contente em defender aqueles humanos pecadores, o Criador também quis que os dois anjos servissem de exemplo. Ele os aprisionou nas profundezas, permitindo que saíssem apenas uma vez ao dia cada um. E por apenas três horas.


– Fiquei com uma dúvida.


– E qual seria?


– O Criador simplesmente castigou assim direto, sem explicar o motivo?


O homem nitidamente controlou suas reações e respondeu entredentes tentando soar gentil.


– É assim que Ele é. Ele impõe o que quiser simplesmente porque pode fazer isso. Ele abusa do poder que tem e protege os humanos, pois são mais fracos que os anjos. Mas isso foi bom. O peregrino de que falei no início descobriu, sem querer, o “pátio da prisão”, o lugar onde os dois anjos apareciam três horas por dia cada um.


– O que impedia os anjos de fugirem?


– Guardas. Não havia realmente nenhum no local, mas os anjos presos sabiam que, se desobedecessem, seriam caçados e facilmente capturados. Isso se o Criador não os matasse imediatamente após a fuga. Mas isso permitiu que nosso peregrino se aproximasse do anjo do dia. Sim, pois ele só podia sair das onze da manhã até uma da tarde. E sua amada, das onze da noite à uma da madrugada.


– Pra que eles nunca mais se vissem, mesmo estando perto! Que cruel!


– É verdade, Rosário. Só que o peregrino passou a noite naquele local. Quando o anjo da noite o avistou, procurou matá-lo. Mas ele mencionou que sabia a história e havia descoberto onde o anjo do dia estava. Ela então decidiu poupar a vida do peregrino para saber a resposta e amaldiçoou os céus ao descobrir que estava ali bem perto. Foi a primeira vez que ela se voltou contra o Criador. Sua aparência mudou e ela se transformou em um demônio.


– Que horror! Não sei se quero ouvir o resto.


– Calma, Rosário. As coisas não são como tu achas que são. Ouve até o final. O peregrino se assustou, mas esperou. Ela disse que estava livre. Livre para atormentar os humanos fiéis ao Criador, limitados e presos em seus rituais estúpidos.


– E o anjo do dia?


– Ela não podia entrar na prisão, então esperou até o dia seguinte. Não precisou fazer nada. Quando ele saiu, e viu a aparência cinza e decaída de sua amada, julgou que o Criador tivesse feito aquilo com ela e também amaldiçoou os céus.


– E também virou demônio!


– Não. Ela não entendeu e decidiu contar o que realmente acontecera. Ele, então, percebeu que não seria demonizado por algo que não era verdade. Em seguida, ele revelou um conhecimento antigo dos humanos para o peregrino, algo que era proibido. E a transformação aconteceu.


– E o que houve com eles depois?


– Eles ensinaram tudo que sabiam sobre poder e magia para o peregrino. Ensinaram a ele tudo aquilo que o Criador os impediu de punir. As cavernas onde estavam presos eram jazidas de ônix. O peregrino enriqueceu e recrutou um grupo de pessoas para aprender os segredos e mistérios daqueles anjos. Ele criou, assim, uma ordem secreta. Uma ordem que precisa de pessoas destemidas e que gostem de seguir regras. Pessoas como eu e teu irmão mais velho, Corolário, que já está conosco há dez anos. E será teu instrutor.


Estavam chegando a uma enorme mansão. Um jovem muito elegante veio em direção ao veículo. Rosário ficou imóvel aguardando uma ordem, afinal, aquela história sobre seguir regras tinha bagunçado sua mente.


– Desce. Vai conhecer teu irmão.


– Esse aí é meu irmão?


– Sim, Rosário. Ele preparou tudo pra te receber. Vai te mostrar cada canto da casa e te ajudar a entender o legado dos nossos antepassados.


O menino saiu do carro, deslumbrado com tamanho luxo e elegância. Os serviçais da casa faziam mesuras com a cabeça baixa enquanto ele passava.


No saguão principal, uma enorme escultura mostrava um casal abraçado, ela com um vestido cheio de luas e estrelas, ele com um manto cheio de sóis e nuvens.


– Sar já te falou sobre eles, não é?


– Sar?


– O distinto cavalheiro que te trouxe.


– Ele não tinha dito o nome dele.


– Acontece com certa frequência. Com o tempo tu vais entender por que. Por hora, te basta saber que ele é descendente direto do peregrino.


– Uau. E para onde estamos...


– Indo para o teu quarto. Tu precisas saber que, quando chegamos aqui, recebemos nomes novos. Ninguém aqui me chama de Corolário. Meu nome aqui se tornou Ranak. Durante o treinamento, tu descobrirás o significado dele.


– E eu, qual vai ser meu nome?


O medalhão parecia ter aquecido seu peito. Seus olhos reviraram e Ranak sorriu. Quando voltou a si, estava em sua cama, seu irmão sentado ao lado numa poltrona, lendo um livro.


– Dormiu bem, Rosário?


Ele sentou-se na cama, olhou diretamente para os olhos do irmão e, com um sorriso assustador nos lábios, respondeu.


– Rosário está morto. Pode me chamar de Thäno.


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